Do utilitarismo


Fomos à praia em Outubro, num dia que prometia vendaval. O vendaval foi amigo e só apareceu de tarde, quando já tínhamos molhado os pés e conversado.
Sentados numa toalha que eu, irrequieto, enchia de areia a cada dez minutos, expliquei-me como engano a solidão e a necessidade que todos nós sentimos de ter alguém a nosso lado. Expliquei-lhe que tenho amizades utilitárias. Contei-lhe que saio muito raramente com amiga apenas porque gosto que ela me mexa no cabelo e vice-versa. Saímos, conversamos e eu deito a cabeça no seu colo e ela mexe-me no cabelo. Depois, cada um vai à sua vida, indiferentes ao que se passa na vida de cada um. Não há nada de errado nisto, expliquei-lhe.
Umas horas mais tarde, já com o vendaval a molhar as ruas, ela disse-me que tenho um olhar sofrido.

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