Vivemos numa época em que a crónica se vulgarizou. Abrimos os jornais e encontramos mais opinião que notícia. Só que nem só de opinião vive uma crónica. Como qualquer género, exige talento literário e sentido estético. São poucos, muito poucos, o que têm isso. Vasco Pulido Valente é um deles. Preocupa-se não só com aquilo que escreve, mas também com a forma como escreve. Isso é raro, muito raro. É também mal explorado nas suas crónicas semanais no Público. Basta ler algumas crónicas de Às Avessas (Assírio & Alvim, 1990) para perceber que Vasco Pulido Valente merece mais espaço e liberdade para fugir à política. Merece mas talvez não queira. É pena.
Senti-me quase um criminoso com as minhas depressões. Uma sociedade bem organizada como a nossa impõe que os seus membros da classe média urbana sejam felizes. A infelicidade é uma intolerável fraqueza, uma falha geológica de carácter, um delito social. Os infelizes não merecem misturar-se connosco por aí por essas ruas; deviam-nos retirar de circulação. O respeito e consideração do próximo presumem a felicidade, requerem a felicidade.
Excerto de "A Obrigação De Ser Feliz", crónica do livro Às Avessas