Palavras em busca de meu pai, no endereço que calculo
O meu capital de vida já está gasto e estou a viver
só de crédito. Crédito que o destino me dá por
distracção, por piedade, por curiosidade
Julio Ramón Ribeyro
[tradução de Tiago Szabo]
mais dia, menos dia, José,
apareço por aí,
levado, à boleia, pela alazão da morte.
fiz lista de quase tudo
o que te dará consolo
- um pouco de água azeda,
o cheiro do mar, um rádio pequenino,
laranja de muito sumo e livros de Conrad.
guarda-me um lugar de alma
a dois palmos da tua mão,
por causa do gume da noite
ou do silvo de cada manhã.
e deixa dormir o meu silêncio
com a face pousada no teu ombro,
enquanto, baixinho, a tua voz
chama pela nome cada lágrima.
por aqui, o que se foi do medo
anda regressado.
coisas de adivinhar, como calculas,
emendas de verso em branco no soneto da utopia.
o nosso anjo-da-guarda
está dentro da nossa senhora, disseste-me.
e desenhaste uma asa no molhado da areia.
lembras-te?
boa noite, meu pai!
Emanuel Jorge Botelho em Resumo - a poesia em 2011